segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Pelos sebos da vida: "O sombra - Os 7 irmãos mortais" (por Diego T. Hahn)


Bem, antes de mais nada, este post é uma espécie de homenagem do “De Letra” a este que a meu ver é, se não O, um dos personagens MAIS FODAS das HQs (ele “nasceu”, na realidade, em um programa radiofônico nos anos 30, no qual era "interpretado" por Orson Welles, mas pode-se dizer que fez carreira mesmo nos gibis...).


Pois esta mini-série, dividida em 3 revistas e intitulada “Os 7 irmãos mortais”, a havia lido lá pelos idos do final dos anos 80 (consultando a ficha técnica, a confirmação: a data de publicação no Brasil é 1989), quando tinha algo como onze ou doze anos de idade.
  
E o negócio marcou.


Recentemente, quando lembrei dela depois de anos, intimei Mestre Jesus, da Zona Franca Comics, loja de hqs de Santa Maria. "Consegue essa parada?" - "Tá na mão", me respondeu ele, no ato.


E assim, depois de cerca de 25 anos, volto a deliciar-me com essa fantástica história. E o mais incrível é isso: ela CONTINUA fantástica! O que surpreende nisso é que, como acontece com frequência, à luz do tempo, muita coisa que era boa lá atrás acaba ficando meia boca com um olhar mais atual, mais "maduro"... (andei me arrependendo ultimamente, por exemplo, de rever uns filmes pelos quais tinha um grande carinho - pois haviam me marcado na infância - e que agora me pareceram bobos, ou simplesmente mal-feitos, perdendo assim aquela magia e causando uma certa desilusão...).


Mas esse Sombra, não: ele continua uma paulada furiosa na mente; a arte (desenhos de Kyle Baker), a trama (roteiro de Andrew Helfer), os personagens...


Ah, os personagens!...

Os irmãos Finn (Artimus, o cabeça da família, é uma figuraça; carismático, é daqueles vilões que acabam fazendo até mesmo a gente torcer por eles), cada um com uma "especialidade" criminal. A mamãe Finn e seu "peculiar" ajudante (um chimpanzé inteligentíssimo - e violentíssimo). Os malucos criminosos libertados do hospício por Artimus...

 
E, claro, o próprio Sombra, indefectíveis chapéu e capa negros, lenço vermelho no rosto, duas uzis nas mãos, a sinistra gargalhada, e todo seu charme de anti-herói pulp.


O filme holywoodiano (1994) com o canastrão Alec Baldwin como Lamont Cranston/Sombra não ficou tão ruim, é até razoável, digamos, mas se faz imperioso para quem tem algum apreço pelo misterioso personagem dar uma conferida nessa mini-série!!



Ao terminar de (re)lê-la, ficou aquela melancólica sensação de vazio, aquele gostinho de quero mais, o que me fez contatar o seu Jesus, e, para minha felicidade, ele me informa que tem uma nova HQ do cara saindo quentinha do forno para saciar essa ânsia (“O fogo da criação”, de Garth Ennis e Aaron Campbell)!!


Enfim... curioso... depois de marmanjo voltar a essa fase... deve ser alguma crise de meia idade (já que não tenho grana pra comprar um motão ou algo assim)... ou – para acabar este post com um trocadilho, como bem gosto – talvez só algumas sombras da infância voltando à tona mesmo.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Política V (por Juliano Lanius)


Em Sana Maria, cidade considerada do interior e, por isso, mais arraigada dos costumes tradicionalistas do RS, há falta de interesse das escolas em participar dos desfiles de 7 e 20 de setembro. A primeira data é em comemoração à Independência do Brasil, que tem como organizadores do desfile as diferentes secções e subsecções do Exército em SM. Já a segunda marca a data da Revolução Farroupilha, guerra que se fez necessária para a consolidação do Estado. E este desfile é organizado pelo Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG), e também acompanhado pelo Exército. As forças armadas mostram-se preocupadas com o número de inscritos este ano para as comemorações, e diz que este número diminui a cada ano. Porque será?

            Lembro-me dos meus tempos colegiais e das “horas cívicas” que tínhamos, eu e meus colegas, semanalmente. Talvez fosse na segunda ou na sexta-feira, não recordo, mas uma vez por semana saíamos ao pátio do colégio, enfileirávamos – ou éramos enfileirados pelas professoras, provavelmente – em frente ao mastro, onde a bandeira (nacional e/ou rio-grandense) seria hasteada. Era um ritual. As professoras exigiam postura correta na hora da execução do hino e conversas paralelas eram inflexivelmente discriminadas. Aqueles que não sabiam o hino podiam consultar a letra atrás dos livros didáticos que usávamos. Não estudo mais em escolas públicas, então, não tenho mais acesso aos livros didáticos atuais. Sei que os livros que vêm do governo federal ainda contêm o hino em seu verso, mas como as escolas podem escolher outros livros, pode ser que esses nem sequer mencionem questões patriotas em seu conteúdo. Talvez a falta de incentivo por parte das escolas em conhecer, valorizar e proclamar as culturas de identidade nacional e estadual, seja o vetor da diminuição dos colégios inscritos para os desfiles.

            Nas semanas passadas, desembarcaram os primeiro médicos cubanos que trabalharão em solo brasileiro. Foram recebidos com grande indignação – pelos médicos brasileiros – e, ao mesmo tempo, com grande entusiasmo – por aqueles que necessitam do atendimento que será prestado pelos estrangeiros, o povo. Um dos argumentos usados pelos médicos brasileiros, que são contra a contratação dos cubanos, é o de que eles – os cubanos – irão trabalhar como escravos, sem vínculo empregatício ou benefícios. E daí? O que os médicos brasileiros têm com isso? Se estiverem com pena dos importados, que contribuam doando uma parte de seus exorbitantes salários àqueles que agem em favor do objetivo primordial do exercício da medicina: a vida.

            Percebe-se uma demasiada preocupação com a vida alheia, com os pormenores dos outros. Se os médicos do Brasil não querem trabalhar por esse ou por aquele motivo, tudo bem. Mas não façam com que o trabalho dos outros seja menosprezado e caluniado, pois cada um luta por objetivos pessoais, assim como fazem os médicos cubanos. Se nossos doutores querem somente atender em seus consultórios particulares, que o façam. Mas deixem aqueles que acreditam em uma medicina assistencial e humanitária fazerem o trabalho deles. Isso se chama respeito à privacidade e às escolhas alheias, e é o mínimo que se espera de uma classe que se diz tão culta e avançada.

            Foi contratado, pela Prefeitura de Santa Maria, para a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, o Sr. Jaques Jaeger. Ele foi gerente regional do SEBRAE e diretor da Agência de Desenvolvimento de SM, e é formado em Administração pelo Centro Universitário Franciscano e pós-graduado em Gestão Empresarial pela FGV. Podemos identificar uma mudança de paradigma quanto à contratação de funcionários públicos, atentando à sua formação técnica para ocupar cargos específicos. Deixou-se de lado os apadrinhamentos políticos, tendo em vista o caráter profissional, as habilidades, competências e conhecimentos do candidato a vaga. É possível vislumbrar como esperançosas atitudes como esta, pois temos uma posição relevante na administração municipal sendo dirigida por alguém que conhece do assunto, alguém que é especialista na área. Esperamos por resultados compatíveis. Esperamos por resultados. Esperamos.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Jesus é o canal (por Diego T. Hahn)


Malaquias tinha nome de profeta, mas até então nunca havia tido nenhum mísero contato com a Bíblia. Foi quando ouviu um trecho de uma canção de um roqueiro gaúcho na rádio que dizia: “Jesus Cristo vai voltar, aleluia... Nossa vida vai melhorar, alelu-u-ia!...”.
 
Gostou daquele sonzinho que falava do filho de Deus e passou a se interessar pelos preceitos cristãos.
- Pô, maneiraço esse livro... tem tudo para chegar a best-seller e tal...
- Que livro, Malaquias?
- Pô, a Bíblia, véio... baita livro! Vários ensinamentos e tal... radical mesmo. E aquele tal Jesus então...
- O que tem ele, Malaca?
- Pô, o cara era fera. Cheio das metáforas... Cheio dos ensinamentos...
- Ah, aposto que você gostou foi daquela história de transformar água em vinho, não é mesmo!?
- Mas nem. Cara, curti mesmo os lances do bicho... Várias lições de vida... Tô a fim de aderir, cara.
- Como assim, “aderir”, Malaquias?
- Ah, aderir, cara. Fazer parte desse movimento... Ainda por cima, um dia desses, ali na esquina de casa tem um templo, vi o pessoal cantando e orando e tal... Maneiraço!
- Hum... Olha, Malaquias, acho que você tá meio que confundindo um pouco as coisas...
- Que nada, cara! Eu tô a fim mesmo, véio. Sinto que achei o motivo de tudo isso, o motivo de eu estar aqui, ao ler a Bíblia, cara...
- Hum... E qual é esse motivo?
- Pô... fazer o bem e tal, cara.
- Malaquias... acho legal esse teu interesse e te apoio, mas quero que você tenha consciência do que está fazendo. Você não precisa “aderir ao movimento” para fazer o bem...
- Pai, perdoai-o, ele não sabe o que diz... Cara, todo mundo deveria aderir ao movimento para fazer o bem.
- Ok, ok, ok. Concordo que todo mundo deveria sempre fazer o bem, mas o que quero dizer é que existem muitas formas de fazê-lo. Sem precisar necessariamente aderir a algum movimento para isso...
- Ih, você tá por fora, cara...
Depois disso, Malaquias foi embora e ninguém mais o viu nos dois meses seguintes. Até que um amigo se preocupou e foi até sua casa ver como ele estava.
         E, ao abrir a porta, percebeu que ele estava um tanto quanto diferente.
Cabelos ondulados compridos, barba por fazer, vestindo algo parecido com uma túnica. Saudou o amigo:
- Bem-vindo, brother.
Bem, estampa estranhíssima à parte, pela saudação lá estava o velho Malaquias. Inquirido sobre o que andava fazendo nos últimos tempos, contou que havia visitado uma igreja.
- Alô, brother – contava que havia saudado ele a um padre.
- Bem-vindo, irmão. – respondera o servo do Senhor. Pois aquele “irmão” tocou Malaquias no fundo de sua alma e ele sentiu-se realmente benquisto ali naquele ambiente. Sentiu-se realmente um irmão.
E então foi para casa, onde havia ficado enfurnado nos últimos tempos. Contou também que um certo dia, enquanto tentava pregar um quadro na parede, lia ao mesmo tempo um trecho da Bíblia que relatava a ressurreição de Cristo. Arregalou os olhos. Foi quando se distraiu e, ao golpear meio torto com o martelo, o prego escapou e lhe fez um rasgo na mão. Justo quando ele lia sobre as chagas nas mãos do Messias.
Xingou até a mãe do Badanha devido à dor, mas concluiu que aquilo era outro sinal. Só podia ser. Conversou normalmente um pouco mais com o amigo, até que este começou a lhe dizer que aquilo tudo era muito louco e que o pessoal estava preocupado com ele e...
- João, capítulo dez, versículo vinte e um – respondeu secamente Malaquias.
- Hã?
Malaquias então calou-se e ficou olhando ternamente para o amigo.
- Malaca, o pessoal quer saber...
- Marcos, capítulo um, versículo seis.
O amigo calou-se e ficou olhando para ele. Depois de um tempo, conseguiu abrir a boca novamente e perguntar:
- Cara, o que está havendo?
- Paulo, capítulo onze, versículo três.
- Do que você está falando? O que houve com você, cara?
- Lucas, capítulo cinco, versículo sete – respondia Malaquias, supostamente referindo-se a passagens da Bíblia, dando a entender que quem o quisesse compreender teria que “aderir” ao seu novo mundo e que não ficaria se explicando em vãs palavras.
O amigo foi se retirando, calado, olhando-o meio assustado. Malaquias continuava a  olhá-lo candidamente, com um meio sorriso fraternal no rosto. O amigo se foi, pensando “pirou de vez”. Concluiu-se então que Malaquias havia ficado aquele tempo todo que havia sumido em casa decorando a Bíblia. Ou ao menos algumas passagens dela.
Dizem que alguém o viu tempos depois desse encontro caminhando pela rua com o alcorão numa mão e na cabeça um solidéu, mas ninguém confirmou oficialmente essa história, que acabou virando anedota...
O certo é que aquela noite Malaquias foi dormir rindo sozinho de contentamento. E ficaria ainda mais feliz depois, ao pegar no sono. Sonhou que chegava no paraíso, onde um velhinho de longa barba branca abria um grande portão dourado em meio às nuvens para ele e lhe saudava sorrindo:
- Bem-vindo, brother!
 
(Publicado em "Flashbacks de um mentiroso")