quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

O Poeta Incompreendido, partidas e fim de ano

(por Diego T. Hahn)

Dia desses fui surpreendido com a notícia na sessão das cartas do leitor de um jornal santa-mariense. Pelo que constava ali, não sei das circunstâncias (ainda busco mais informações a respeito), mas nosso Poeta Incompreendido, o Gilson, teria partido recentemente. Surpreendido, pois cruzava frequentemente com ele no centro de nossa cidade, mesmo nos últimos tempos, e, difícil arriscar sua idade (jeito jovem e descontraído; aspecto físico meio judiado), algo entre 35 e 50?, mas creio que não tivesse mesmo mais do que 50 anos de idade e seria capaz de apostar que ainda estivesse longe dessa "cifra", provavelmente por volta dos quarenta e poucos, e sem sinais de algum grave problema de saúde mais evidente... mas, enfim.

Conheci o Gilson ao trocar uma ideia com ele uma tarde no Café Cristal, enquanto adquiria um dos seus compêndios poéticos xerocados (impregnados com algumas rimas óbvias e de uma certa ingenuidade, é verdade - que curiosamente contrastavam com sua aparência "ameaçadora", jaqueta jeans surrada, olhos meio caídos, bochechas infladas, cabeleira caindo no rosto, que por vezes até assustava alguns cidadãos mais "tradicionais" e conservadores -, mas características poéticas essas que acabavam por só fazer se vislumbrar uma pureza e um bom coração que deviam haver ali debaixo daquelas camadas de incompreensão).
E, coincidentemente, na Feira do Livro deste ano em SM autografamos lado a lado nossos lançamentos (aqui o link de um comentário que fiz à época da obra dele em parceria com outros 2 escritores locais: http://deletradj.blogspot.com.br/2014/05/3-poetas-em-1-opusculo.html).

Uma simpática e já folclórica figura da "cultura de rua" da nossa cidade que estava sempre "por ali" e agora não está mais - quem conheceu, conheceu; quem não conheceu...
Bem, ainda pode conhecê-lo no seu legado escrito.

Num ano de tantas partidas - independente do nível de precocidade das mesmas e da proximidade com os que partiram, igualmente todas doídas para nós que ficamos (e para nós que ficamos quase sempre acabarão por soar precoces, não é mesmo?) - acho justo encerrarmos o mesmo no "De Letra" homenageando todos esses que se foram, independente das suas áreas de atuação, mas em consonância com a temática aqui do blog, na figura do Poeta Incompreendido (com um poema do mesmo e outro - tradicionalmente conhecido igualmente por sua referência a partidas, do qual gosto muito e que usei também na página das dedicatórias in memorian do meu "Histórias reais de amigos imaginários (e vice-versa)" - de John Donne).

Abraços e um melhor 2015 para todos nós!!

“Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse a casa dos teus amigos ou a tua própria; a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”.

("Meditação 17" - mais conhecido por "Por quem os sinos dobram" - John Donne)


"Flores desabrocham e fenecem
Frutos crescem e amadurecem
As pessoas nascem e envelhecem

Os sentimentos aparecem e vão
De trem ou de caminhão
Eu fico sozinho na estação
De repente alguém toca uma bola de canhão
Na nossa relação
Se eu passar por essa provação
Esvaído de sangue no chão
Olho para você e pergunto
Por que não?
Mesmo no último segundo
Só escuto um murmúrio
E fico sem entender nada!!!"

("Flores" - Gilson, o Poeta Incompreendido)



sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Lançamento do "Minha camisa vermelha"


Para os amigos colorados (e, por que não?, também os gremistas, afinal, como se diz, o que seria do azul sem o vermelho e do vermelho sem o azul?, e certamente, de um jeito ou de outro, o co-irmão também é mencionado lá na obra :) - e, bom, por que nos restringirmos?, estendido obviamente também aos torcedores do, sei lá, Guarani de Venâncio, Aimoré, Ferro Carril, Rondonópolis, Real Madrid, especialmente aos do Anapolina, Boca Juniors e Ajax, e, enfim, de todos os times do mundo, até mesmo aos do Mazembe!, já que, independentemente do time, os assuntos da obra giram em torno dessa paixão mundial que é o futebol e, no caso, o que vale é a diversão), vai aí o convite do lançamento pela Editora Movimento do livro de crônicas sobre o Inter, "Minha camisa vermelha", parceria dos 5 autores (santa-marienses de nascimento ou adoção, mas colorados de coração), elencados no convite abaixo, na próxima quarta, 17 de dezembroa partir das 17 horas, na Athena Livraria, em Santa Maria.


Quem estiver pela área, seja pra se gabar dos feitos do Colorado ou só pra trocar uma flauta mesmo, dê um pulo lá! 


terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Pelos sebos da vida: "Hulk na Encruzilhada" (por Diego T. Hahn)



"E lá vem ele com quadrinhos de novo..." (é, não adianta, cara, ando meio viciado mesmo, fazer o quê!? - mas, ok, na próxima intervenção com a sessão "Pelos sebos..." prometo resenhar - ou avacalhar - um livro "de verdade", "sério", e tals)


Mas o fato é que aí está, direto do túnel do tempo: Hulk na Encruzilhada.



Esta série (ou arco de histórias, como se costuma designar no mundo das hqs), assim como as outras duas (a do Sombra e a do Wolverine) resenhadas anteriormente aqui, saiu no Brasil lá pelo final dos anos 80 e é tão foda, mas tão foda, que foi a culpada por um dos dois únicos crimes que cometi nesta vida: o furto de uma revistinha, no antigo Supermercado Real - atual Big - , por volta dos 10 ou 12 anos, diante do fato de não ter um puto no bolso e os coroas não quererem colaborar com a minha voracidade literária de então (o outro delito foi da mesma tipologia e mais ou menos pela mesma época de delinquência mirim: dez pila surrupiados da carteira do meu velho). Posso confessar isso hoje sem medo de ter a porta arrombada pelos tiras e sair algemado diretamente para o camburão, pois, passados mais de 20 anos, tenho quase certeza que esses crimes já prescreveram (e meu pai também já não pode mais me botar de castigo nem nada do gênero), mas lembro bem da minha tensão durante a execução do plano no mercado (o que me deixou claro que definitivamente a carreira no crime não era a minha praia - e, que diabos de ladrão se especializa no furto de revistas em quadrinhos mesmo??)...



Mas, divagações legais e morais à parte, lembro também que a história que mais me marcou nessa série foi a dos cavaleiros de ferro num dos mundos alternativos da tal encruzilhada. Curiosamente, assim como aconteceu com o personagem principal em "Eu, Wolverine", no início dessa história o gigante esmeralda surpreendentemente toma uma sova daquelas! Obviamente é a deixa para toda uma reviravolta com a devida redenção, que incluía como aliada uma moça verde que chorava flores, mas, naquele primeiro momento é de realmente fazer sentir pena do monstrengo, que, após a surra, ainda é preso e usado pelos cavaleiros de ferro como escravo em algumas obras de, digamos, "construção civil" (por exemplo, acorrentado, girando as engrenagens de um imenso moedor de crânios destinados a serem usados na construção de castelos), com direito a chibatadas e tudo...



Foram várias revistinhas, do início ao fim da função do Hulk nesse universo paralelo. Ele fora enviado para lá pelo Dr. Estranho, após ficar fora de controle na Terra, perdendo o pouco de senso de humanidade que ainda lhe restava e transformando-se num puro monstro, destruindo tudo ao seu redor. 


                                     
Na tal Encruzilhada Interdimensional, o Dr Estranho, que era seu amigo, acreditava que ele poderia achar um mundo - entre os vários possíveis lá, acessáveis através de portais - onde poderia ser feliz (e, parte também de um feitiço implantado pelo Dr. Estranho, cada vez que o Gigante Esmeralda entrasse num portal e se sentisse infeliz naquele novo mundo, seria levado automaticamente de volta à Encruzilhada).

Assim, Hulk ia tentando, portal após portal, adentrando esses diversos mundos, com geografias e personagens diferentes, e, infelizmente, assim como no mundo dos cavaleiros de ferro, invariavelmente se dando mal neles - e, consequentemente, sempre voltando ao limbo da Encruzilhada.



Um capítulo épico também dessa sequência de histórias é o encontro de Hulk na Encruzilhada com o quarteto de inimigos chamado Os Alienígenas (Vetor, Encouraçado, Raio X e Vapor - imagem abaixo), episódio que tem uma das capas mais marcantes da série (era a única capa, inclusive, desse arco de histórias do Hulk da qual eu lembrava ainda nos dias de hoje, e capa que emulava um daqueles duelos dos faroestes, só que com todo um fundo surreal da Encruzilhada ao invés dos desertos do Texas ou algo assim, com os 4 vilões perfilados diante de Hulk).



Um grande personagem - se não o maior - a se destacar desse arco de histórias também é o "Pompons coletivos", que é exatamente isso, um agrupamento de pompons que vive na encruzilhada e com quem Hulk faz amizade. Dei risada da lembrança quando comecei a ler e apareceram os tais pompons. 



Mas não me lembrava que não havia motivo para risos (ATENÇÃO: SPOILERAÇO!): fiquei realmente chocado ao seguir lendo e deparar-me, algumas revistas de muito sofrimento do Hulk depois, com os malditos pompons tentando sacanear o gigante, revelando-se pois uma entidade do mal!!



PQP!!

Não dá pra confiar realmente em ninguém hoje em dia... nem nos pompons coletivos!!

Mas... fazer o quê?

                                   Hulk e os Pompons Coletivos

No fim das contas, depois de muito penar na tal Encruzilhada Interdimensional, o Gigante Esmeralda acabou voltando à Terra, e assim Hulk segue sua vida, verde como sempre, embora mais maduro depois dessa experiência traumática (essa foi péssima, eu sei - assim como as infames piadinhas das fotos acima e abaixo - , mas não podia perder a deixa!) e eu, de lambuja, matei mais uma saudade literária dos tempos de infância.                                      

Hulk na Encruzilhada


terça-feira, 18 de novembro de 2014

"Vento sul" e "Vigia" (por Guto Dauber)


E esta semana, outra participação especial no blog: desta vez do camarada poeta, músico e filósofo de bar Guto Dauber - também conhecido como Master Saviux - com dois de seus poemas, que jaziam egoisticamente arquivados numa gaveta qualquer por aí...


Vento Sul
 
Venho não se sabe bem de onde
Vejo o universo no horizonte
Fujo da sombra que assombra o homem
E a dor
 
Venho não se sabe bem de ontem
Vejo o que se sabe sobre hoje
Vento que assopra a vida e esconde
A dor
 
Vales de vento e de sombra, será?
Que em outros lugares o vento espera
 
Talvez de seus olhos me vejam
Nos turvos de uma fagulha
Barulhos de vidas passadas
Relatos de noites escuras
 
 
- - - - - - - - - - - - - - -- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
 
Vigia
 
De vigília te vigio
Na noite turva
Do sono profundo
Te espero pra ontem
Te guardo memória
Da noite de outros dias
Vergonhas de fora
Vontade eu tenho
Coragem, meu bem,
Porém...

 
 
 

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Recuos e avanços (por Celina Fleig Mayer)


Em mais uma participação especial no "De Letra", temos a honra de apresentar esta mordaz crônica nos enviada pela amiga e ilustre escritora, integrante da Academia Santa-Mariense de Letras, Celina Fleig Mayer:

                O casamento é uma espécie de sociedade “mista” em que seus componentes precisam fazer concessões... Quando as coisas – essa palavrinha é muito abrangente, então diremos, quando a relação não vai muito bem, é preciso marcar uma reunião. Geralmente as pessoas chamam isso de “discutir a relação”, mas não é bem assim, até porque já começar com discussão pode levar a rupturas. Reunião é melhor, e ela, para um casal, pode surgir “do nada”, de uma paisagem, de um gramado cheio de orvalho, qualquer acontecimento. Aliás, fatos novos sempre ensejam uma “reunião”, sejam eles proporcionados por amigos, parentes ou entre o casal. Nasceu o filho, a mulher anda tresnoitada e resmungona? Reunião presidida pelo excelentíssimo “sócio” que está de cabeça fria. E, especialmente, deve se mostrar cheio de compreensão e amor para dar. Isso rende juros e “correção” de comportamento.

            Dia desses recebi um emeil de um amigo que dizia nos invejar, marido e eu, porque íamos para a praia, por uns dez dias, quase mensalmente. Menos, lógico, naqueles meses bem frios, porque os pisos  dos apartamentos de praia dão uma sensação térmica além da realidade. Aí ficamos aqui sobre o piso de madeira, aconchegados junto a lareira. Mas, voltando à “santa inveja” do amigo, que ele é uma pessoa muito legal, se explicava que a Madalena dele não gostava de praia.  Desde o começo dos tempos, isto é, da longa união de mais de 30 anos. Faltou um acordo inicial para resolver essa pendenga,tipo: “Como assim, Madá? Que é que tem de ruim na praia? Vai ver que nunca gostaste por causa da companhia, vindo comigo vai ser diferente. Prometo! A gente fica lá, longe desse calorão, guarda-sol armado  junto ao mar, aquela brisa”...Acredito que agora, já é um tanto tarde, a mulher não terá vontade de exibir  curvas passadas e perdidas, por pior que seja o verão na sua cidade. Não vai se deixar convencer. Essa reunião nem deve acontecer mais, por falta de quorum...

Tão acostumada ela a ser do contra que, na ocasião de comemorarem com os ex-colegas do marido o aniversário de 35 anos de formatura da Faculdade, onde ele estudou, o cara chegou sem sua Madalena. Todo mundo compareceu acompanhado da antiga ou da atual consorte. E aí? Perguntavam. Estás viúvo? Ele explicou que a Madá não gostava de viajar...

            Constatei, então, o quanto um casamento pode amofinar uma pessoa, abafar até, se ela não tenta um acordo em tempo hábil, bem no início das primeiras “manifestações” contrárias da outra parte. Esse amigo devia vir informando suas vontades, negociando suas preferências para caberem nos contras da parte da mulher. Cedendo aqui, avançando ali. Fico imaginando como deve ser a “função” de mesa e cama, (ou o inverso), desse casal. Ele amanhece “todo-todo”, e ela vai ficando uma “arara”, só repetindo: “para com isso, homem!” No mínimo, a Madalena é daquelas mulheres que sofre de dor de cabeça persistente...

            Um autor, numa crônica inspirada, escreveu uma frase genial: “Os casamentos longos acontecem muito mais pelos recuos do que pelos avanços...” Pelo jeito, a mulher do meu amigo tem se aproveitado muito dos recuos dele. E, enquanto os dois vêm avançando em idade, ela vai aumentando seu território.a de campo.u territdade  Não sei o que é que vai sobrar, no fim de contas, para o pobre...


sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Terror (por Diego T. Hahn)


Bom, passado o período de (intensas) campanhas e todo o (feroz) debate político gerado pelas mesmas, e, na sequência, a famigerada eleição, com seus resultados, que geraram mais (feroz) debate político, o que me veio à cabeça e fiquei aqui a matutar intrigado nos últimos dias foi o seguinte:


Por que será que no Brasil o Jason é mais conhecido que o Michael Myers?


Pra quem não sabe, o Jason Voorhees é o personagem principal da série cinematográfica Sexta-Feira 13. Aquele, da máscara de hóquei branca, com uns furinhos. 

                                                      "Prazer. Jason."


O Myers é o da série Halloween. O da máscara de monstro, também branca.

                                                   "Myers. Michael Myers."


Ambos, psicopatas, vivos-mortos, cujos filmes originais tiveram várias sequências (Sexta-Feira 13, acho que mais de 10 - seriam 12?... Halloween, creio que umas sete ou oito - não sei, não me prestei a abrir o google aqui e pesquisar, gosto mais de escrever essas coisas assim, alicerçado só no apoio da memória Hahn - embora não tão confiável, é mais divertido). 


Pois quem no Brasil não sabe quem é o Jason?


Todo mundo conhece o Jason!


O Jason virou apelido até de uma daquelas sandálias com uns furinhos e tal, pela semelhança com a sua máscara... 


Mas por que o Michael Myers não é tão conhecido assim por aqui?

Pergunta por aí: poucos sabem quem é.
 
Me arriscaria a dizer que, entre o público com um mínimo conhecimento cinéfilo, algo em torno de 70% das pessoas sabem quem é o Jason, mas esse percentual deve cair pela metade, se não menos, em se tratando do Myers.
 
O fato é que o Myers me parece mais "cult", enquanto o Jason, mais "pop".


E por quê?


Como disse antes, ambos são psicopatas, quietões, caminham devagar enquanto perseguem suas vítimas antes de trucidá-las...


Será que é por que o Jason andou distribuindo bolsa-família? Não creio. Jason não tem nada de família. Na verdade, ele odeia famílias. Ele as destrói. Myers também - na verdade mais ainda: sua meta principal desde sempre é matar a própria irmã, por exemplo.
 


Será o marqueteiro do Jason melhor que o do Myers?


 
Será a máscara, mais legal?
 
 
 Será que é porque a gente se "identifica" mais com a Sexta-Feira 13, que vez em quando temos por aqui, e menos com o Halloween, que vemos talvez como um evento meio "artificial", puramente norte-americanizado?


Não sei.

Pode ser tudo isso e muito mais, mas também pode ser que não seja nada disso e - mesmo tendo-se em conta que independente de qual dos dois você escolha colocar pra rodar, provavelmente ele vai te apavorar com eficiência, fazendo mais ou menos tantos estragos na sua telinha quanto o outro faria - a resposta seja bem simples:


Talvez o pessoal simplesmente não vá com a cara do Michael Myers. 
 


(Sim, eu aproveitei para este texto o momento das tais das eleições, aproveitei igualmente a data do Halloween que foi esses dias, e, sim, deve ter também alguma espécie de metáfora, alegoria, ou coisa que o valha aí... ou não!)
 
 

terça-feira, 21 de outubro de 2014

A lenda do cachorro sem cabeça - réquiem para uma pequena grande amizade (por Diego T. Hahn)



Uma das marcas registradas da Upi eram os seus chamados “truques”:

Sentava.

Deitava.

Dava a pata.

Fazia “cabecinha” (consistia em, ao ouvir tal comando, apoiar a cabeça num joelho humano – geralmente, como também ao atender às ordens anteriores, para ganhar algum pedaço de comida, claro).











Mas o melhor de todos mesmo era fazer sumir a cabeça:

Com o intuito de revirar o lixo, subia no cesto, enfiava a cabeça lá, e, para quem olhava a alguns metros de distância, lá estava ela, naquela curiosa posição, de pé e “sem cabeça”.

E eis que surge uma lenda.

Mas esse “sem cabeça”, devo dizer, refere-se a uma impressão física tão somente, pois intelectualmente, tínhamos certeza, como bons donos(?)-amigos(?)-“pais”(?)-“tios”(?)-“irmãos”(?) corujas, que ela era a mais esperta do mundo e talvez de toda a história de sua espécie (que Lassie, Benji e Rintintim o quê!) – e, confesso, chegamos a vislumbrar maquiavelicamente algumas vezes até mesmo uma carreira no circo (veja você, ela era do tempo em que ainda havia animais no circo...), naqueles programinhas de auditório, ou algo assim.

A Upi, pra quem não sabe (O quê? Tem mesmo gente que não sabe??), era uma cadelinha, meio poodle meio vira-lata, meio preta meio marrom (curiosamente, da metade do lombo pra frente, da primeira cor; da metade pra trás, da segunda), que vivia em uma gamela - sim, uma gamela, dessas de churrasco, mas forrada com um confortável travesseiro, claro - embaixo da mesa de passar roupa, oficialmente “filha” da minha irmã, mas na prática um patrimônio vivo da família – chegou aqui há 15 anos, comprada por 50 “pila”, mas, com o passar dos anos, sua cotação extrapolou todos os limites na nossa bolsa de valores familiar e chegou a valores antes inimagináveis até mesmo para nós. 

Tinha jeito de lady, como comentavam as pessoas pela rua: era magra, esbelta, pernas longas, e caminhava serena e meio indiferente ao resto do mundo. Era uma verdadeira dama.

Embora canina, a propósito de elegância, a Upi tinha hábitos mais parecidos com os dos felinos (brincávamos que ela era uma cruza de poodle com gato): gostava de passar embaixo das nossas pernas, levantando e esfregando as costas, uma, duas, três, dez vezes seguidas; queria sempre estar por perto - especialmente para acompanhar numa soneca; era parceira pra 24 horas ininterruptas nos braços de Morfeu, se fosse o caso -, mas não era lá muito chegada a alguém pegando e apertando e abraçando ela; e não curtia lá muito cachorros (teve apenas um romance-relâmpago com um tal Alaor Malaquias, um vira-lata errante, com o qual corria alegre e surpreendentemente – primeiro porque não gostava de cachorros, e segundo porque, como uma boa dama, não gostava de correr – pela grama do parque).                                                                                                                                          
                 
           A dama e o vagabundo

Mas, claro, como todo cachorro de família, ela se achava era gente – e, como toda família com cachorro, meio que gente era mesmo pra gente.

Quinze anos.

Uma vida.

Literalmente: a sua. Mas também parte relevante de outras. Quando ela chegou, eu tinha 21. Pode-se, pois, dizer que ela meio que me viu também virar gente.

É curioso, inclusive, por falar em gente, pensar que ela, quietinha ali no seu cantinho, talvez me conhecesse melhor que muita gente com a qual convivo hoje e mesmo melhor que muita gente com a qual convivo há muito tempo.

Ah, não que eu tivesse dúvidas a respeito, mas Upi também ajudou a consolidar a segurança na minha masculinidade – afinal, convenhamos, o cara tem que ser muito macho pra sair pra passear todo dia pela rua com um poodlezinho, e de fitinhas rosas nas orelhas! (nas dela, claro, mas, mesmo assim...).

Upi teve um histórico médico conturbado – e recuperações fulminantes, por vezes quase milagrosas. 
Pois vejamos:

Nos primeiros meses de idade, teve uma terrível doença de pele, que a deixou debilitada e completamente careca, um ratinho branco – ela que era de pelagem preta encaracolada – com feridas pelo corpo. Lembro que o quadro era realmente muito feio e tinha certeza que, por mais que fizéssemos de tudo para tentar o contrário – e fizemos – ela não escaparia daquela.

Mas pouco a pouco foi se recuperando e, milagrosamente, alguns meses depois estava lá, toda pimpona, ostentando seus cachos pelo Parque Itaimbé.

Nos seus primeiros anos de vida, Upi também atravessou corajosa e displicentemente a Venâncio Aires na hora do pico, ao escapar da gente na garagem de casa. Quando vimos, estava ela lá do outro lado do mundo da calçada, dando uma banda em frente ao cartório do Xisto, enquanto os carros passavam voando entre nós. Segundo milagre.

Chocólatra, desafiou inúmeras vezes a toxidade do doce para os da sua espécie e subia em camas e cadeiras e mesas para furtar bis, trufas e bombons dos mais diversos – às vezes, se não conseguindo abri-los, devorando-os com papel e tudo, descobríamos surpresos depois quando regurgitava tudo, como dizendo “que porcaria; por que não fazem um negócio mais fácil de se abrir com os dentes?”.

Ela também “foi pra faca” uma meia dúzia de vezes, por motivos diversos - surgimento de tumores, inflamação dos dentes, etc - e a apreensão era sempre grande. Nunca sabíamos se retornaria daquelas batalhas, as cirurgias começaram depois que já tinha uma certa idade, havia a questão da anestesia e tal e... e eis que de repente lá estava ela de volta, novamente zanzando indiferente pela casa, no seu ritmo próprio, revirando lixos e tenteando nossa comida, um tanto quanto blasé, como se nada fosse.

Upi despencou dentro de casa de uma escada daquelas do tipo caracol do segundo pro primeiro andar duas vezes. Na primeira, ainda cheia de pontos, recuperando-se de uma das cirurgias, caiu por um vão, bateu num degrau lá embaixo e em seguida chocou-se contra o chão. Deu um grito e nada mais, seguindo seu rumo normalmente, agora no andar de baixo. Mais uma proeza da cadela de 7 vidas.
                                                          

Upi e seu esporte radical predileto: Bunge jumpee de escadas caracol – sem corda.

Na segunda vez, a viagem foi ainda mais radical: direta, sem escalas. Desta vez nem latiu, grunhiu, nem nada... só ouvi a pancada contra o chão. Saiu caminhando meio torta, como zonza, meio assustada. Assustado também, achei, mais uma vez, que era o fim da lenda, mas era na verdade só a oportunidade para mais um milagre. Sim, Upi também ajudou a renovar minha fé: percebi que Deus protege mesmo as crianças, os bêbados... e as Upis.

Ou seja: poder-se-ia dizer que estávamos mesmo no lucro... mas, todos sabem que isso não conforta ninguém, ao menos não tão cedo (assim como não, não conforta, por mais sincero e verdadeiro que possa ser, aquele papinho clichê de que “descansou”, "já estava velhinha" - nós já sabemos disso, não precisa dizer: convivemos 15 anos com ela -, “estava sofrendo”, etc; muito obrigado, mas pense em algo mais criativo para dizer – gostei de um “isso devia ser proibido” – ou não diga nada além de um “é...é foda mesmo!”) muito menos antes da coisa acontecer, e assim a luta foi árdua e, nos últimos tempos, enquanto paradoxalmente líamos incrédulos notícias sobre gente maltratando, abandonando no mato ou jogando seus cachorros pela janela do carro, empregávamos toda nossa energia e cuidados, sacrificando às vezes sono, passeios, diversão e finanças por ela, e puxávamos de um lado, enquanto a indesejada das gentes – e dos bichos – puxava do outro, e não desistimos até o fim, que dia desses chegou, porém, sem cirurgias, sem quedas, sem aus – ou, ao menos, com mais ais do que aus – , de mansinho, pra nos poupar ao menos da duplicação do drama.

De qualquer maneira, como costumo dizer, as perdas pelo caminho de amigos, pessoas próximas, de entes queridos em geral, acabam por desmontar momentaneamente aquela espécie de “lego interior” que nos constitui.

Depois, pouco a pouco, acabamos remontando-o, juntando os pedaços, mas, ainda assim, sempre algo parece restar meio torto, a estrutura não ser mais a mesma.

É claro, há determinantes espaços vazios: faltam peças.

Bem, acabamos então de perder por aí mais uma pecinha, que talvez não fosse tão visível quanto outras na estrutura, mas que certamente vai fazer falta para o encaixe final desse negócio todo que nãoseibemcomofuncionasealguémaísabeporfavormeexplique.  
                                                                                                             
E por falar em encaixe final, um dia, daqui uns 354 anos, quando me for pros tais pagos celestiais, imagino ser recebido no portão véio lá de cima certamente antes de mais nada pelo sorrisão da vó dona Helena; mas também conto, ao mesmo tempo, com aquela pequena criatura preta pulando nas minhas pernas, ou, que se danem todas as igrejas e religiões com suas teorias furadas sobre almas e suas regras seletivas, mas não será de fato o Paraíso.

Procuro, então, imaginá-la lá, saltitante – quem sabe ao lado do Alaor Malaquias – esbaldando-se na doce rotina de um mar de lixeiras, posicionadas sobre fofas nuvens até onde a vista alcança lá no horizonte, a serem reviradas infinitamente sem perturbação, sem vetos, sem “UPIIIIIIIIIIIII!! SAI DAÍ!!!”... ou simplesmente, bem acomodadinha lá, enrolada em torno de si mesma como de costume, numa das suas eternas sonecas.

Mas a verdade é que ainda é estranho perceber o vazio embaixo da mesa de passar roupa e, ao sair de casa, às vezes ainda me esqueço e continuo deixando a luz da cozinha acesa para ela.


Pois, no fundo mesmo, ainda temos uma forte suspeita de que tudo não passe de só mais um truque da Upi.
                      
      

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Coração Valente (por Diego T. Hahn)


William Wallace foi caçado, preso e torturado.
Mais especificamente chutaram suas bolas. Bateram sua cabeça no chão. Usaram instrumentos cirúrgicos, tais quais espátulas e bisturis, entre outros, na sua carne para causar-lhe dor das mais diferentes formas. Amarraram seus braços e pernas com cordas e puxaram-nas em direções opostas, quase arrebentando seus músculos, tendões, e tudo o mais. 
Arrancaram suas bolas. 
Cortaram-lhe a cabeça. 
Esquartejaram-no.

Bom, ao menos foi o que vi no filme com o Mel Gibson. 




Mas, independentemente de exageros na sessão de tortura da película – creio que não; na verdade, dadas as "gentilezas" às quais tinham inclinação com seus inimigos à época medieval Inglaterras e Igrejas Católicas da vida (bem, não que a Inglaterra tenha mudado tanto assim...), talvez até tenham amenizado um pouco a coisa toda – , a história é baseada na história verídica do herói escocês, que se deu mal, como descrito acima, na sua cruzada pela independência de seu país do jugo inglês.

E, depois de tudo isso, de todo esse sofrimento do cara, vem agora o pessoal lá na Escócia e diz: “Tá, vamos fazer um plebiscito pra ver se a gente se separa da Inglaterra ou não”???
Simples assim??
E como fica William Wallace?
E suas bolas??
Ninguém vai pegar na espada ou num machado e invadir o Palácio de Buchinfuckinghan gritando “FREEDOOOOOOOMMMM”???



Que bela droga!

Mas, enfim... que seja.

Não vamos entrar no mérito da questão – a maioria da população daquele país acabou votando por não separá-lo do Reino Unido – e, calma, gauchada adolescente de apartamento!, a lição aqui não, não é sobre separatismo, mas sim sobre o valor do voto e para os que desprezam a possibilidade do mesmo.
 Nos dias de hoje um voto, como no exemplo, pode, ao menos, poupar muitas gotas de suor e de sangue do povo.

E que o William Wallace tem a ver na verdade com o que eu quero dizer aqui?

Quase nada. 

Na realidade, eu tô viajando na maionese escocesa, mas também achei que de certa forma era uma maneira interessante de se começar este texto - já que a maioria costuma achar chato falar/ouvir/ler sobre política - pegando esse gancho bem genérico e vagabundo.

Mas, bem, prometo que vou dar um jeito de acabar fechando esse círculo e o que eu quero dizer pra você que tá aí cagando pra política e simplesmente repetindo roboticamente “mantras” como “político é tudo ladrão” e ameaçando anular ou voltar em branco, na realidade, são coisas como o seguinte:

Você sabia, por exemplo, que os candidatos a senador no Brasil devem indicar 3 substitutos para o caso de, depois de eleitos, por algum motivo – depostos ou voluntariamente – caírem fora? E que muitas vezes esses indicam filhos, esposas e amigões de infância?? E que muitas vezes eles caem realmente fora, deixando lá no Senado figurinhas que não receberam um voto sequer e nada têm a ver com o metiê, teoricamente decidindo o que pode e o que não pode no nosso país, ou nem sequer fazendo isso, simplesmente fazendo nada, e embolsando todo mês um salário de vinte e lá vai picos mil reais??
Quase ninguém sabe disso, me atrevo a dizer. Eu, ao menos, não imaginava isso e só descobri essa esses dias.

Tá certo que é "legal", não passa de mais uma aberração das regras eleitorais do nosso país que permite tais expedientes, mas, quer fazer algo de bom com o teu voto? Pesquisa, pois, quem são os substitutos desses camaradas, pra tentar ter uma noção do que se passa pelas cabeças deles e escolher o menos pior, que seja, e não simplesmente votar por votar ou votar em branco ou anular o voto (o famigerado Lobão, por exemplo, que inclusive agora está na lista dos denunciados pelo alcagueta da Petrobras, renunciou ao Senado para assumir Ministério, presenteando assim o filhão, o Lobo Filho, com o nobre cargo e, de lambuja, com uma mesada um tanto quanto mais robusta - e, o que é melhor, que não é ele quem paga!).



Outra:

Você sabia que os partidos costumam usar essas figuras públicas – jogadores, artistas, palhaços (de profissão mesmo), etc – , os chamados “coelhos”, nas eleições, sem maiores preocupações com a eleição ou não deles, mas sim com a probabilidade de eles, por serem conhecidos do público, simplesmente puxarem votos para a legenda, ajudando assim a aumentar sua bancada, graças aos estroboscópicos quocientes eleitoral e partidário?



Sim, recebendo o voto dos “fãs”, eles ajudam a colocar lá outros mequetrefes, não tão notórios até então, mas que depois acabarão ganhando também fama, graças a algum escândalo noticiado em algum telejornal, e a gente vai se perguntar: “Mas como diabos esse cara chegou lá??”.

Por falar em jogadores candidatos, um deles é o Washington (ex-centroavante de Fluminense, Caxias, Inter, entre outros), também conhecido como "Coração Valente" (eu não disse que de alguma forma fechava esse círculo?), que concorre a deputado federal pelo Rio Grande do Sul.



Não, acho que o voto não deveria ser obrigatório, mas, como é, votar em branco ou anulá-lo talvez não seja a melhor opção de protesto contra o que está errado aí – a maior rebeldia mesmo creio que seria votar depois de se informar melhor sobre as regras eleitorais, históricos dos partidos e, claro, dos candidatos, e saber justificar esse voto – e, pra completar, depois saber cobrar dele essa confiança depositada.

Pegando mais um gancho internacional, usemos o exemplo do plebiscito de 1988 no Chile (retratado recentemente no filme “No”). A ditadura de Pinochet, no poder desde 1973, crente que sairia vitoriosa também naquela situação, ofereceu um plebiscito à população para determinar se esta seria favorável ou contrária ao prosseguimento do general no poder por mais oito anos. Apesar de toda a repressão, a oposição conseguiu se mobilizar e, como ilustra o título do filme, 57% dos votantes foram contra a continuidade do governo do ditador, que respeitou o resultado, finalmente oferecendo ao país a possibilidade de novas eleições democráticas depois de alguns terríveis anos de um também quase medieval (ôpa; lá vem vindo ele outra vez...) obscurantismo.


                                            "LIBERDAAAAAAAAAAAAAAAADDD!!!"

Portanto, usa bem teu voto nas próximas eleições, vivente, nem que seja em memória aos que lutaram por ele para ti, ou aos que pereceram mundo afora pela falta de uma possibilidade dessas, ou William Wallace (olha aí ele de novo!) pode aparecer, só de kilt, sem nada por baixo – e, lembrando para as taradas de plantão: nem se animem, pois quando digo “nada” é literalmente nada, como já explicado na parte da tortura lá em cima... – pra te dar um belo dum cagaço no meio da noite!

Ah, acabamos de receber um comunicado do Superior Tribunal Eleitoral: Washington "Coração Valente" recebeu 33.492 votos. 

Não conseguiu se eleger.



terça-feira, 23 de setembro de 2014

Domingos em Porto Alegre (por Juliano Lanius)


(E outra boa reprise aqui no blog, pegando ainda meio de revesgueio o gancho do 20 de setembro!)

Seu Domingos é moço ainda. Com esse modismo de longevidade, podemos dizer que Seu Domingos é um jovem de vinte e quatro – não que ele tenha vinte e quatro anos, mas ele nasceu em 1924. Morador de Porto Alegre, é grande apreciador do Rio Grande do Sul. Seu Domingos tem muito orgulho da cidade onde vive e conhece como ninguém a história do lugar, os sítios históricos e os monumentos que fazem parte da cidade de Porto Alegre. De tão entendedor sobre os percursos da vida desta grande metrópole, Seu Domingos, certa feita, foi convidado a contar um pouco da história da cidade para alunos universitários.  Isso serviria para que eles tivessem um contato mais direto com alguém pertencente ao lugar. Os alunos tinham a cidade de Porto Alegre como objeto de estudo. Eis alguns trechos de seu relato aos alunos, um momento em que Seu Domingos se deixou levar pela emoção, dando aos alunos a certeza de ser um eterno apaixonado pelo solo rio-grandense, especialmente Porto Alegre. 


- Boa noite. Meu nome é Domingos, sou natural de Porto Alegre, onde me criei e vivo até hoje. Essa cidade me traz lembranças muito boas. Foi aqui que meus filhos e meus netos frequentaram a escola, desde a primeira série. Infelizmente, na minha época, o estudo não era uma prioridade nas famílias do interior. Eu não lembro muito bem, mas minha mãe – que Deus a tenha – dizia que eu era um rapaz que gostava de ler. Como as coisas mudam, não é? Naquele tempo eu conseguia, pelo menos, enxergar as letras. Hoje, eu mal consigo ler o que diz no letreiro do ônibus. Esses dias, além de ter embarcado no ônibus Cerrito, ao invés de Centro, tive que ficar de pé no ônibus, a viagem toda – era dia de pagamento do INPS. Mas isso nada tem a ver com nosso assunto principal: o Rio Grande do Sul. Mais precisamente, Porto Alegre. Cidade bonita. Vamos começar pelos locais de ensino. Os colégios. As escolas fazem parte da história de qualquer cidade. O ensino está presente em todos os momentos da evolução. Quero dizer, na minha época pensávamos assim. Hoje em dia, não sei não. O meu neto está na fase adolescente, catorze anos, e é um dos que não concordam com essa idéia. Ele disse que deu seu primeiro beijo. Na escola. 


“E escola é lugar de fazer isso, moleque?” “Bah, coroa, ela tava afim e eu grudei”. ”Coroa? Eu lá sou moeda para tu ficares me chamando de coroa? E por acaso virastes cola para ficar grudando nos outros?”. Ele me contou que a menina era, digamos, desprovida de qualidades anatômicas favoráveis. O legítimo bagulho. 


Mas ele disse que estava precisando se especializar no negócio de beijar, afinal de contas ele já tinha 16 anos e ainda era BV. “Que troço é esse de BV?” “É boca virgem Vô.Todo mundo sabe”. Todos os seus colegas já tinham dado pelo menos um beijo na boca, e ele ali, literalmente chupando dedo. E não só o dedo como a mão toda, pois um amigo lhe disse que tinha que treinar na mão primeiro, para não passar vergonha na frente da guria, babar, morder, ou algo do tipo. Bem que eu notei que ele estava com alguns roxos na mão e com a boca seca. Até perguntei: “Tu ta fumando aqueles capim com cheiro de palha mofada pegando fogo depois da chuva, guri?”. E não estava realmente. Ficava horas em casa, chupando a mão. Isso lhe rendeu marcas semi-definitivas. Mas o bonito mesmo foi o lugar que ele deu seu primeiro beijo. Museu de Tecnologia da PUCRS. 


É um lugar de visitação. Geralmente de estudantes. Sendo que, neste dia, em que meu neto perdera o cabaço da boca, o colégio em que ele estuda estava fazendo uma visita pelo local. Ele me falou que queria que tivesse um clima quando tudo acontecesse. O rapaz puxou ao avô, um eterno romântico.  Aí levou a menina até uma parte do museu, onde ficam os animais empalhados. Ao perguntar se eram animais raros ou pássaros exóticos, me respondeu que não. Disse que gostava de valorizar as coisas daqui, então foi ao habitat do ratão-do-banhado, da chinchila, da garça e do tatu-bola. Um cenário muito tranquilo, acolhedor. “Até que o beijo foi bom, mas quase perdi um dente”. Acho que o garoto estava um tanto ansioso, afoito, sei lá. 
 
“- Aí, mais tarde, no meio das minhas andanças, descobri outro local bom de dar uma volta ou matar aula, a Praça da Alfândega”. Vocês acreditam que meu neto me falou isso? Assim. Na lata, como dizem os jovens. Na lata. Entorpecido com sua audácia, resolvi conferir se o que dizia era verdade. Peguei o moleque no flagra, “gaseando” aula – só os gaúchos conhecem esta expressão. Na Praça da Alfândega. Deflagrando o local que serviu de palco para momentos importantes desta cidade querida chamada Porto Alegre. Quase que fiz meu neto perder a audição, tamanho foram os puxões de orelha que dei nele. Na minha época funcionava. Sabem aqueles “espichadores” que os jovens colocam na orelha? Aqueles que ficam um buraco que pode servir de tipóia em um acidente? Eu estava tentando fazer um artesanal em meu neto. A despeito destas frustrações, a Praça da Alfândega é muito bonita, arborizada. “E tem uns esconderijos ‘da hora’ para dar uns beijinhos nas meninas que só vendo”. Palavras do neto do vovô. A Praça da Alfândega tem muitas histórias a contar. Nossa, e como tem.  


- Mas vamos seguir o baile, tchê. Outro local bastante importante na história de Porto Alegre, e da minha também, é o Centro Histórico da Praça da Matriz. Nos arredores desta praça é que se localizavam os prédios dos poderes executivo, legislativo e judiciário. Até me lembro de uma vez que tive que ir ao judiciário falar com o juiz, pois a mulher do meu filho decidiu que queria uma pensão depois que se separaram. Falei com o juiz, ele não tinha condições de dar nada a ela. Mas, não houve jeito. Aquela desgraçada levou quase tudo o que o coitado tinha. Só sobraram as bombachas e as alpargatas. Não me segurei e a mandei aquela lorpa botar um serviço naquele corpo gordo. Não entendo como meu filho foi gostar dessa jararaca.  


- Mas, vamos voltar ao que interessa. Perto da Praça da Matriz se encontram também o Palácio Piratini, a Catedral Metropolitana e outros prédios mais. Na frente da Praça da Matriz também se encontra o Theatro São Pedro, um dos maiores do estado. O Theatro já foi palco de peças importantes, e por ali passaram inúmeros artistas. O porto-alegrense, como todo gaúcho, gosta de um teatro viu, tchê. Mulher, então, nem se fala. A minha “veia”, por exemplo. Esses dias, só por que eu cheguei um pouquinho mais tarde em casa, levemente embriagado, fez uma cena dramática. Merecedora de um Oscar. E quando tem perfume diferente, então? Nossa, aí parece teatro para surdo de tanto que a mulher grita, grita e grita. Toda mulher tem um pouco de atriz por dentro.


- Porto Alegre tem uma vida cultural muito intensa, com várias casas de espetáculos e shows. Outras formas de manifestação popular podem ser vistas em Porto Alegre, como é o caso do Brique da Redenção.
 
 Lá podemos encontrar artesãos, músicos, artistas de rua e muitos outros movimentos populares. Eu não deixo de ir todos os domingos ao Brique, nem que seja pra tomar um chimarrão e passear com meu cachorro. Mas eu levo a sacolinha e junto as cacarias do meu cachorro. O triste é querer sentar na grama para descansar um pouco e não poder levantar mais até que o brique esteja vazio. Sim, por que, se levantar antes, todo mundo vai ver que tu estás levando algo pertencente a outro animal. Não é fácil, viu? 


- Bom gente, agora que vocês conhecem um pouco mais da minha cidade, espero que vocês venham visitá-la. Quando vierem, me avisem, assim a gente pode ir juntos aos lugares de que falamos. Não se esqueçam de trazer o chimarrão, por que ninguém é bobo de ficar pagando erva para vocês. E se vierem com cachorro, a sacolinha à tira cola, viu? Bueno, um abraço para os guris e um beijo para as gurias. Ah, e, gurias, se vocês quiserem, eu mostro para vocês os esconderijos da Praça da Alfândega.