domingo, 6 de março de 2016

Primeiros passos (por Juliano Lanius)


Na tentativa de mudar alguns dos nossos hábitos, aqueles que fazemos sem perceber e que tanto nos incomodam – como faltar à academia na segunda-feira, deixar a louça para o outro dia, ou mesmo fumar aquele cigarro depois do almoço, acompanhado de um cafezinho, é claro –, notamos o quanto é difícil deixá-los de lado ou abandoná-los. Ficamos tão dependentes de nossos atos cotidianos que os cometemos sem a menor noção de que podem nos fazer mal.

Ainda utilizando o cigarro como exemplo, começamos fumando nas festas, com os amigos, conhecidos, colegas e amigos dos amigos. Tudo não passava de uma curtição. Queríamos nos sentir “iguais” aos que nos rodeavam. Um ato, até então, sem consequências maiores. No começo, nem mesmo víamos muita graça naquilo tudo. Uma fumaça branca e espessa, um cheiro não muito agradável e um gosto na boca que pedia uma bala de menta. Fumávamos pelo status. Mas, depois de um tempo, o hábito de fumar, aliado a dependência física e mental que ele provoca, consumia todo o nosso dinheiro para o saboreio de mais algumas tragadas.

Quando adolescentes, até esboçamos alguma tendência a deixar o vício tabagista de lado. Afinal de contas, era um fétido vício. Éramos menores de idade, mas sabíamos exatamente o que estávamos fazendo. Até conseguíamos parar por alguns dias, semanas ou, até mesmo, meses. Contudo, na maioria do tempo, não nos esforçávamos realmente para conter a dependência que o fumo nos causava. Continuávamos fumando, intolerantes aos malefícios que, mais tarde, seriam evidentes.

Na maioridade, não escondíamos mais o vício. Fumávamos aos quatro ventos. Não nos importava quem nos visse fumando ou sentisse nosso cheiro de nicotina. Conseguíamos sustentar o hábito com nossas próprias finanças, não dependíamos de ninguém para fazer aquilo. Portanto, as pessoas não podiam nos julgar pelo que estávamos fazendo.

O tempo passou, e o vício nos acompanhou. Entre idas e vindas, rezamos o terço, jogamos fora o que restava de fumo em casa – e, no outro dia, compramos mais –, chupamos pastilha, frequentamos grupos de autoajuda e fizemos promessa – que não cumprimos, é claro. Mas nossa teimosia agora jogava contra nós mesmos. O hábito virara vício. Uma parcela do salário era religiosamente separada todo o fim de mês para a manutenção da rotina esfumaçada.

Percebemos, ao longo dos anos em que estivemos fumando, que algumas pessoas convivem pacificamente com o vício.  Fumam e vivem suas vidas normalmente. Aceitam-se, fumantes que são. Contudo, há aqueles que fumam às escondidas, nas varandas e sacadas por aí, longe dos holofotes. E as pessoas que convivem com estes fumantes, os fumantes anônimos, nem desconfiam. Ou, se desconfiam ou sabem, fecham os olhos.

Todos sabiam que fumávamos, e muitos não gostavam. Os que eram menos tolerantes conosco eram os mais próximos, como nossa mãe, nossa família, nossa namorada. Até hoje, quando damos nossas escapadinhas e nos deixamos recair, saboreando com incrível satisfação um Free Azul ou um Parliament depois do jantar, os olhares ainda são de través, sugerindo desaprovações e rancores.

A despeito de uma vida – ou, pelo menos, parte dela – inebriada pela fumaça, chega determinado momento em que estamos realmente aptos a abandonar este mau hábito, e sabemos que deve ser por nossa própria conta. A ajuda deve partir de dentro de nós mesmos. Já conseguimos alguns avanços, passamos dois dias sem fumar. Agora, vamos nos propor quatro dias.

Muitos dos fumantes que conheço dizem que conseguiriam parar quando achassem necessário, sem esforço nenhum, pois não se dizem viciados. Justificam seu argumento dizendo que, sim, fumam, mas por que gostam ou por que os relaxa. Pois eu lhes digo que não param, justamente por não se renderem ao fato de que são impotentes perante o próprio vício. A admissão da incapacidade de lidar com os nossos próprios fantasmas é um dos primeiros passos à mudança de comportamento que esperamos de nós mesmos. Assim como o do cigarro, nossos hábitos – aliás, somente os maus hábitos – podem acarretar, ao longo do tempo, prejuízos irreversíveis. Portanto, devemos admitir que não conseguimos ser fortes o suficiente para não mais roer as unhas, para não adiar o início das aulas de yoga e não repetir mais que duas vezes no almoço.

Portanto, que consigamos dar nossos primeiros passos, com atitudes – ou mudança de atitudes – que colaborem com o abandono do vício que temos, seja ele qual for. Admitamos que somos impotentes perante nossos maus hábitos, e que nossas vidas não se controlam mais. Pois, que consigamos reassumir o controle das nossas vidas. Que tenhamos a decência de nos aceitarmos viciados em Facebook, tarados por chocolate, alucinados por sudoku. Somente no dia em que aceitarmos quem realmente somos é que teremos a liberdade de escolher quem queremos ser.


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