quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Sobre textos e berinjelas (de Juliano Lanius)


Depois de mil anos... (não, não era ressaca de três meses pós-lançamento - ver post anterior - , mas vida que segue - ou, que ferve - mesmo, mil empenhos profissionais, aquela velha história - já devemos ter escrito isso aqui no blog algumas vezes - observação que creio que nos dê algum crédito, se não por motivos de criatividade, ao menos por evitarmos - ainda - nessas circunstâncias o - sempre tentador - uso do famigerado "control c, contro v").

E, enfim, bem em consonância com essa retomada aqui, eis esta singela ode à escrita, do camarada Juliano.


Quando lá pela sexta série, eu estudava em uma escola estadual, situada no bairro onde morava. Uma escola antiga, necessitada de reformas, que hoje já são realidade. Em uma das aulas de português da professora Hilda*, nos foi dado como tarefa uma redação. Ou melhor, a tarefa era justamente escrever uma. Não recordo do tema e, para ser sincero, nem sei se havia um. Mas, lembro que a professora requisitou algo bem “elaborado”. Como se todos os alunos soubessem o que significava aquela palavra. Pois bem, fomos para nossas casas com a missão de entregar o texto “elaborado” na próxima aula.

Sempre gostei muito de música. Escrevia as letras das minhas favoritas e ficava cantando, junto com a fita cassete que tocava no meu “Dois em Um” – na época, meu aparelho de som tinha somente as funções de rádio e toca-fitas. Recordo-me de um rap que chamou a minha atenção. Nos meus sonhos, queria fazer letras iguais àquela. Eureka! Era isso! Eu tinha descoberto a maneira ideal de receber uma nota dez na redação e ainda ser elogiado pela escrita bem “elaborada”. Até aquele momento, eu não desconfiava que as professoras escutassem rap. Pois, a minha, escutava. No dia da devolução do texto corrigido pela professora, aprendi o significado da palavra plágio. E nunca mais esqueci. Ainda bem que a professora teve a sensatez de não me apontar o dedo perante os meus colegas. Ela somente disse que o aluno que tinha tentando enganá-la – no caso, eu – deixasse outro texto em sua mesa na próxima aula. Mas, desta vez, de autoria própria. Foi o que fiz.

Naquela época, eu achava muito difícil escrever. Quase nunca sabia por onde começar. Quando o tema era livre, sem assunto pré-determinado, sem, ao menos, uma dica para incitar a inspiração, ficava imaginando mil coisas. Contudo, não possuía a destreza de colocá-las no papel. Pensava que o título deveria ser o começo de tudo, sendo que não havia a necessidade de se ter uma ordem específica. E aquele negócio de introdução-desenvolvimento-conclusão não entrava de jeito nenhum na minha cabeça. Apesar de que ainda não entrou totalmente. Por que a conclusão tem que ser a última? Por que não posso concluir alguma coisa antes do fim do texto? O que impede que o desenvolvimento se desenvolva na parte introdutória?

Hoje, entendo que escrever é tentar transmitir a uma caneta – no meu caso, uma lapiseira – e um papel toda ânsia que me rói as unhas. Contudo, para um aluno da sexta série, isso era quase impossível. Crianças desta idade geralmente não roem as unhas. A ansiedade delas somente aparece nos dias de entregar aos pais o boletim. Este era um dos únicos momentos em que eu lavava a louça e limpava o meu quarto com prazer. Claro, qualquer coisa que amenizasse o impacto da minha mãe ao ver minhas notas já era uma vantagem. Em verdade, nunca fui mau aluno. Executava as tarefas até antes dos meus colegas. Mas ficava azucrinando a todos quando não tinha mais o que fazer. Hiperativo, como sempre.
Quando nos dispomos a escrever, o fazemos com base nas lembranças, nas ideias e nas crenças que possuímos. Tudo o que escrevemos vai ter, nem que seja, uma pontinha do nosso nariz a aparecer. E acredito que é exatamente deste jeito que deve ser. Devemos nos mostrar, mesmo. Afinal de contas, se fosse para escrever o que os outros já escreveram, com a imparcialidade que não caracteriza os escritores, bastaria tirar um xerox. Eis aqui um dos motivos do meu gosto pela escrita. Sou eu aqui, posso falar de tudo um pouco, e mais um pouco, e mais um pouco...

De uns tempos para cá, quando escrevo, apesar do tempo que me mantive afastado das letras, os temas têm me surgido mais facilmente. Qualquer fato, objeto ou situação que possa parecer propícia a um relato vira texto. Não me considero um escritor assíduo, pois não escrevo todos os dias. Talvez, um dia, escreva mais. Por enquanto, só estou me divertindo. Às vezes, enquanto escrevo, algumas gargalhadas são inevitáveis. Meus vizinhos provavelmente pensam que não passo de um retardado ou de um bêbado que ri sozinho dentro de casa. O que posso fazer? Os motivos da escrita muitas vezes são tão absurdos e inesperados que não seguro uma boa risada.

Espero que a escrita me acompanhe ainda por um bom tempo, para não dizer para sempre. Que todos aqueles que leem estas linhas consigam, também, escrever alguma coisa qualquer sobre qualquer coisa. Se não gostarem do exercício é só não fazer de novo. Nunca tinha comido berinjela e sempre dizia que não gostava. Até o dia em que experimentei as berinjelas empanadas da minha mãe. Maravilhosas! Escrever é isso. Experimentar e saber decidir se te agrada ou não. Arriscar, sem ter medo de errar. Errar, e saber que pode consertar. Consertar, e aprender que é bom errar. Sem medo, sem culpa, só escrevendo.


* O nome verdadeiro da professora foi preservado. ... Tá bom, eu confesso. Não lembro.



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