quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

"Diário de um Recepcionista de Hotel Canastrão" (por Diego T. Hahn)



- Olha lá... lá vem chegando mais um... – avisa-me o colega.

Sem levantar a cabeça e seguindo olhando para o que quer que fosse  – e que quase certamente não tinha relação alguma com o trabalho em si - que eu mirava distraidamente na tela do computador naquela tardezinha modorrenta, respondo para ele:

-  Sim... já senti o odor...

Ele, que antes olhava para fora, vira-se para mim, curioso:

- Odor?

Ainda sem tirar os olhos do computador explico.

- Sim. O cheiro. Chega milhas antes.

 – Mas... que cheiro? – indaga-me ele mais uma vez, enquanto fareja o ar, como procurando antecipar-se a mim e achar a resposta por conta própria.

-  Ora, meu velho... aquele característico fedor pútrido – detalho didaticamente – ... de hóspede! – e cuspo na lixeira ao pronunciar aquela palavra – Sabe?... percebo-o quando eles ainda estão lá dobrando a esquina... é inconfundível.

- Ah, sim, sim!... Compreendo... – diz ele, que é o mensageiro, como é chamado o cara que carrega as malas e manobra os carros no hotel – emendando em seguida – E cara de hóspede: olha a cara de paspalho...

- Sim. E jeito mangolão típico de hóspede. Carregando todo garboso sua malinha de grife... esperando ser recebido como se fosse o rei da Suécia...

- Boa tarde.

- Boa tarde, senhor. Como posso ajudá-lo?

- Vocês têm quartos disponíveis?

- Bem... de quantos quartos o senhor precisaria?

- De um só.

- Humm... Ah, sim... é que o senhor perguntou por “quartos disponíveis”... entendi que... bem, mas então é somente UM quarto que lhe interessa?...

- Sim, sim.

- Bem, infelizmente, não, não temos nenhum.

- Nenhum?

- Nenhum. Zero. Zírou.

- Todos ocupados?

- Todos.

- Putz... mas não tem como me conseguir um mesmo?

- Olha, só se eu construísse um quarto para o senhor... mas aí, veja bem, eu precisaria antes de mais nada de uma autorização do proprietário do hotel... ele provavelmente teria que entrar em contato com a prefeitura e bombeiros, acredito eu, para questões relacionadas a alvará e mudanças na estrutura do empreendimento... e teria também que falar com o pessoal do estoque, para comprar o material de construção, o senhor sabe, tijolos, cimento, argamassa, e...

- Hein?

-Não, nenhum. Todos ocupados.

- Humm... bom... Ok... fazer o quê?

- Pois é... fazer o quê, né?

- Obrigado.

- De nada. Tchau, tchau.

- Meeeeeuuu, que mangolão mesmo!... – sussurra o mensageiro – mas... cara... como “não tem nenhum quarto disponível”? O hotel tá praticamente vazio, velho!...

- Aaaaaaah, meu amigo... tu é ingênuo mesmo, né? Claro que o hotel tá vazio, claro que tenho quartos disponíveis... mas não viu a cara de maluco do sujeito?

- Hummm... não, cara, não reparei mesmo...

- Pois é... mas eu manjei já de cara: psicopata, velho... clássico. A gente pega o jeito depois de um tempo aqui na recepção, sabe?...

- Hummm... mas não viu no carro dele, cara? Tem mulher e um filhinho...

- Ué. E daí, mermão? Por acaso psicopatas não podem ter família?? Que preconceito é esse?

- Bom, eu... não sei... fora o tal Dexter aquele – que, por sinal, tu tem razão, até tinha mulher e filho – não entendo muito de psicopatas, cara...

- Pois é. Mas eu entendo: psicopatas, paranoicos, megalomaníacos, etc... trabalho aqui há anos: vejo, portanto, espécimes assim o tempo todo, amigão!

(Continua)

Nenhum comentário:

Postar um comentário